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quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Meus órfãos

Gente esse rascunho é uma das coisas que escrevo e deixo salvo no computador e depois vou encontrando. Ele é um dos meus órfãos leia-se texto abandonado. Eu estava num momento em que a única coisa que podia fazer era escrever. O texto nem está terminado, mas conta um pouco sobre a experiência de viver perto de pessoas que sofrem com os problemas causados pelas drogas, nesse caso o crack. Também traz  um pouco desse desejo que alimento, o desejo de escrever como alternativa a esse mundo, válvula de escape, etc...
Às vezes quero escrever. É uma vontade que vem ao ver as coisas no mundo. Vejo algo acontecendo, penso, penso, mas até hoje nunca escrevi nenhuma dessas coisas. Admiro muito esses escritores que conseguem com uma frase dizer muita coisa e nada. Queria ser um dia como eles. Mas será que eles queriam ser como foram? Não sei. É normal tomar o dito pelo não dito e assim se resolve. Só que quando penso nisso, acho que é impossível ser como alguém é, já foi ou está sendo. Apreciar o que eles escreveram é bom, prazeroso, doloroso...

Ler para mim é como ouvir música (coisa que faço muito): a gente se deixa levar, mas quem conduz a viagem somos nós mesmos e nossas experiências. Sim, as experiências. Muita coisa que li no passado não fazia o mínimo sentido para mim, mas quando faço nova leitura sinto que algum sentido se instalou entre mim e o texto. Talvez isso que falta entre o pensar sobre escrever algo e o escrever. Talvez seja por isso que começo a escrever hoje. Por causa que há sentido entre o que escrevo e o que estou sendo.

Escrevo o que vi e não me importo tanto com que falem e pensem sobre o que escrevo. Era noite e o rapaz não parava de importunar a mãe-avó (a cuidadora) e sua mãe biológica. A mãe biológica do rapaz era diferente. Ela muito gostava de lavar. Todos os dias, roupa suja ou não, ela lavava e então vinha a mãe-avó e brigava com ela. Ás vezes a lavadeira de vocação acordava às seis da manhã (da matina para alguns) e punha-se a esfregar roupa. Não sei. Talvez isso conferisse sentido à vida dela. Tinha a impressão de que era lenta. Alguns diziam que tinha mentalidade de criança. Engrolava em certas ocasiões a voz. Ficava nervosa sempre quando este filho que gerou começava a importuná-las (a ela e a mãe-avó) e era normal vê-la andar de um lado para o outro fazendo comentários inteligíveis. A cuidadora, chamada dona Joana, ficava ouvindo os impropérios dirigidos a ela por aquele menino que havia criado e alimentado. Só ouvindo as batidas na porta, os xingamentos, as ameaças... Só ouvindo? Não. Ela disparava uma torrente de desaforos para ele, merecidos ou não, que cada um faça julgamento pessoal. E vinha pedir ajuda a filha que morava perto. Ela vinha rápida, com todo o perigo da urgência: olhos saltados, boca contraída, fala desgovernada e o coração num ritmo desfavorável. Ela não conseguia articular as palavras, que lhe saiam como leves sopros dos pulmões.
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